Entrevista com Talita Sánchez

O nome Japão ou 日本国 significa Terra do Sol Nascente e é também o nome do segundo país onde mais se pratica a arte flamenca, depois da Espanha. Por lá já passaram alguns profissionais do flamenco no Brasil, como Danny Souza, Tiza e Allan Harbas, Miriam Galeano, Jony Gonçalves e Diego Zarcón, dentre outros. A equipe do Flamenco Brasil conversou com a brasileira Talita Sánchez, que está em temporada no Japão, ministrando aulas de baile. Talita nasceu no estado de São Paulo, e sua família também está envolvida com a arte flamenca: seu avô é espanhol de Málaga e apaixonado pelo cante flamenco; sua mãe, Ana Guerrero, é bailaora e organizadora do Festival Internacional de Flamenco de São José dos Campos e seus irmãos, Rodrigo e Mariana, também dançam flamenco.

Flamenco Brasil – Talita, conte-nos como começou a dar aulas no Japão.
Talita Sanchez – Eu amo o Japão! Adoro os japoneses. E muito mais trabalhar com flamenco na terra do palitinho (risos). A primeira vez que vim trabalhar aqui foi em 2005. Através da indicação de uma amiga, enviei meu currículo e vídeos de alguns bailes para uma escola e fui selecionada para o trabalho de quatro meses em Fukuoka, uma cidade maravilhosa. A princípio tinha muito medo. Não tinha muitas referências, vim sem guitarrista, sozinha. Tudo me custou muito, demorei uma semana para saber como ligar para minha família. Só comprava comida rápida, pois ia ao supermercado e em vez de letras, via um monte de desenhos nas embalagens e, por mais que me esforçasse, era muito difícil saber o que comer. Pouco a pouco fui provando e aprendendo a sobreviver (risos). Assim como andar de metrô, trem e bicicleta. Sempre quis voltar. Antes de ir para o Brasil, no ano passado, para a tournée com o (Instituto) Cervantes, estava em Madri, tomando um café com meu adorado amigo, maestro e excelente artista Miguel Cañas. Ele contou sua história de quando veio trabalhar na Tiempo Iberoamericano, que foi uma experiência maravilhosa, e disse “Não quer ir trabalhar lá? Agora mesmo mandamos um e-mail e falamos de você”. Eu fiquei super feliz de que ele acreditasse no meu trabalho, que honra! E o tempo passou, fui para o Brasil, participei do Festival Internacional Flamenco Brasil, da gira com o Cervantes (Ciclo Guitarrísimo com Flávio Rodrigues e Pedro Obregón), dei workshops por todo o país, e não tive nenhuma resposta até dezembro. Uma bela tarde, recebi um e-mail perguntando se ainda queria vir. De um dia para outro, arrumei tudo, fui para Madri e dali para o Japão. Desta vez, vim para ficar 6 meses no Tiempo Iberoamericano, um centro com aulas de flamenco, espanhol, tango, salsa, português e inúmeros eventos, nos quais Santiago Herrera, o diretor, promove a integração entre as pessoas através da cultura ibero-americana. Tiempo é um lugar muito especial para trabalhar.

FB – Como é dar aulas em um país onde as pessoas são tão aficionadas ao flamenco?
TS – É muito especial trabalhar com os japoneses. Sinto que eles têm um carinho e respeito imenso pela arte flamenca e pelos artistas que vêm para cá. Como alunos são muito aplicados, quando dou uma aula estudam muito o material passado e para a aula seguinte, estão com tudo na ponta da língua. Desfrutam cada minuto, querem realmente fazer tudo à perfeição. Isso é muito gratificante para o professor. À parte do lado técnico do flamenco, estou realizando um trabalho de expressão de sensações, sentimentos, pensamentos, através do baile flamenco. Para os estudantes japoneses é muito difícil expressar-se, devido à sua cultura. E na hora de manifestar seus sentimentos na dança, colocam uma barreira enorme.

FB – Qual é a receptividade que os professores brasileiros de flamenco têm no Japão, levando em conta que vários já passaram por aí?
TS – Os brasileiros aqui tem uma receptividade incrível, os japoneses adoram nosso jeitinho de ser: a maneira de ensinar, muita paciência, carisma, metodologia, à parte do ótimo trabalho coreográfico que vem sendo realizado, nossa eterna preocupação pelos mínimos detalhes e a consideração sempre pela individualidade dos alunos. E o principal: o respeito e a paixão que temos pelo que fazemos.

FB: Como é o seu dia-a-dia de aulas na escola?
TS – O dia a dia de aulas é intenso, temos vários níveis, do básico ao semi- profissional, temos aulas extras de técnica corporal, de pés e cada mês montamos workshops diferentes, onde damos um baile completo e aulas particulares.

FB – Conte-nos um pouco sobre sua rotina de shows.
TS – Temos o Mosaico, um tablado fixo por semana, todos os sábados. E tablados variáveis, dependendo do mês. Também eventos especiais como a turnê que fizemos em Sendai, ao norte do Japão, em um teatro muito bonito, para 800 pessoas, três atuações por dia. Para essa ocasião, montamos um espetáculo especial de uma hora e meia, uma experiência muito importante. Contamos com o cantaor Curro Valdepeñas, de Toledo, que vive no Japão há mais de 20 anos e com Thiago Vazquez, guitarrista que trabalha comigo aqui, além das alunas do nível semi-profissional. Temos muitos shows, mostras pequenas, tablados e até espetáculos grandes.

Talita em apresentação com as alunas do Japão.

FB – Os seus bailes são construídos de que forma? Fale-nos um pouco sobre seu processo de criação.
TS – Adoro escutar um cante, uma falseta, a música e ver a reação do que sinto por ela. Meu primeiro contato com um novo passo, baile, é improviso. Vejo o que sai do meu coração, o mais puro, direto da alma, nada criado de antemão. Depois, se gosto, lentamente tento estudá-lo e aprimorá-lo até chegar a algo que coloque no palco. Para isso tenho que andar sempre com a câmera, para poder gravar os improvisos e lembrar do que fiz depois. Se por acaso não tenho inspiração, e tenho que montar rápido, procuro ver passos que já aprendi e muitos vídeos de outros bailaores que me inspiram. Mas sou partidária de não ser uma repetidora e tento sempre criar algo novo ou, pelo menos, modificar algo de um baile já aprendido.

FB – Qual a experiência que você levará das aulas no Japão?
TS – A experiência de transmitir aos alunos desde o mais simples (passos) até o mais complicado (expressão de sentimentos) e ver tudo isso refletido em um palco ou, simplesmente, em suas vidas cotidianas.

FB – Por que você acha que os japoneses são tão apaixonados pelo flamenco?
TS – Creio que pelo mesmo motivo que me apaixonou. Algo inexplicável, mas que emociona, faz rir e chorar.

FB – Você pretende voltar a dar aulas no Japão?
TS – Adoraria! Espero voltar sempre…

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