Dos 28 anos vividos por Juliana Prestes, dez deles foram de intenso flamenco. Amizades, carreira, viagens, saúde, estudo: tudo está ligado ao flamenco. A dedicação total, unida ao talento da bailaora porto-alegrense rendeu muitos frutos. Em 2008 ela foi contemplada com o Prêmio Açorianos de Dança de Melhor Bailarina pelo espetáculo Tablao, coreografado e dirigido por ela. O mesmo trabalho foi premiado com o Troféu de Melhor Espetáculo e Troféu RBS/TVCOM eleito pelo Júri Popular. Além de Tablao, Juliana já dirigiu outros três espetáculos e atuou como artista convidada no Brasil e no exterior. Atualmente está em turnê com a produção Las Cuatro Esquinas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais.
Iniciou seus estudos de flamenco com a bailaora e coreógrafa Andrea Del Puerto em 2003 e no ano seguinte já atuava como professora na Escola de Flamenco Del Puerto. Desde de 2008 compõe o núcleo de direção da escola e integra a Companhia de Flamenco Del Puerto como bailarina, coreógrafa e diretora artística.
Entre ensaios, turnês e aulas ela responde às perguntas do Flamenco Brasil.
Como você começou a se interessar pelo flamenco?
Eu sempre fui muito tímida e decidi fazer teatro amador para me soltar mais. Nessa época, uma amiga minha, Roberta Campos, bailarina de dança árabe e ballet, me disse que eu deveria experimentar flamenco, pois me encontraria. Então em 2003, com 18 anos de idade, entrei na escola de flamenco de Andrea del Puerto. Apenas três meses depois que comecei a fazer aulas já comecei a dar as primeiras aulas como professora substituta nas turmas de iniciante. Em 31 maio desse ano completaram-se 10 anos que pisei na sala de aula pela primeira vez.
O que é flamenco para você?
Em primeiro lugar é meu trabalho. Atualmente está dividido entre a dança e a administração da escola e da companhia. Além disso, é maneira pela qual me comunico com menos timidez. Por meio do flamenco acredito que consigo me comunicar realmente.
Você poderia escolher entre dar aulas ou dançar?
Às vezes tenho vontade de só montar uma coreografias ou só ensaiar um baile, acho que todo artista passa por esses momentos, mas com o tempo aprendi a viver entre o palco e a sala de aula. No fim, acho que essas duas coisas vão se retroalimentando.
Na escola del Puerto há ainda o núcleo de direção, do qual faço parte, e que realiza as outras atividades da escola: marketing, assessoria de imprensa, produção, elaboração da metodologia e didática da escola. Na diretoria somos eu, Tati Flores, Danielle Zill, Ana Medeiros e Giovani Capeletti. Sem esse time nada seria possível.
Como vocês equilibram o ensino com a atuacao da Cia Del Puerto?
Estamos sempre preparando os alunos para abraçarem a ideia do professor-artista, pois sempre um de nós vai se ausentar por um tempo. Nos organizamos para sempre fechar as agendas com bastante antecedência e marcar todas as recuperações das aulas. Sempre mantemos os demais professores por dentro do conteúdo que estamos trabalhando, para poderem nos substituir. Eu também acredito que para os alunos de flamenco é importante ter referências de professores diferentes. E tem sido assim há cinco anos.
“Ninguém faz arte sem estar apaixonado por ela”
Além disso você também oferece cursos em outros locais do Brasil e da América Latina. Existe diferença entre os diversos locais em que dá cursos?
Noto que o ensino do flamenco evoluiu muito. É muito legal quando você consegue se comunicar verbalmente a respeito do que vai ensinar. Há um entendimento básico dos códigos teóricos e musicais. A internet com certeza facilitou isso, no geral há um nivelamento entre os alunos e as diferenças são mais individuais e não regionais. Há sempre o aluno que dança por hobby, acreditando fazer apenas uma atividade física e que aos poucos vai se apaixonando, pois ninguém faz arte sem estar apaixonado por ela.
Como é a sua relação com o aluno que decide se profissionalizar?
Tive a feliz fortuna de ter alunos que se profissionalizaram na dança ou no flamenco e o que acontece é que a pessoa se profissionaliza, pois ninguém vai fazer isso por ela. Eu agradeço a vários maestros, admiro e devo muito a eles, mas se eu não tivesse me trancado numa sala sozinha para ensaiar eu nunca teria aprendido. Acho que isso vale para qualquer arte e qualquer profissão, se a pessoa não quiser parar para estudar, conhecer seus limites e enfrentá-los, nunca vai ser profissional.
Para você, existe vida além do flamenco?
Não tenho um hobby ou atividade que não passe pelo flamenco. Desde a minhas seções de fisioterapia, a academia para fortalecer a musculatura, meus amigos, meus grupos de estudo, o ballet clássico… tudo em torno do flamenco. Faz 10 anos que minha vida é só flamenco!
Quantas horas por semana você ensaia?
Com a companhia, 12 horas por semana, depois disso ensaio individualmente de oito a nove horas por semana, nesses momentos quase sempre ensaio com um músico. Depois tenho horários de ensaios específicos com outros artistas como Danielle Zill, Gabriel Matias, Ana Medeiros e Giovani Capeletti o que dá mais umas quatro a cinco horas semanais e geralmente dou cerca 15 horas de aulas por semana.
Como sua temporada na Espanha mudou a sua percepção sobre o flamenco?
Ir para a Espanha sempre foi uma coisa muito óbvia para mim: se eu não visse flamenco lá eu não veria em lugar algum. O que mais me surpreendeu quando cheguei lá foi a qualidade de vida. As pessoas desfrutando das coisas que gostam, o fazer artístico deles.
Como era a sua rotina na Espanha?
Lá eu estudei de cinco a oito horas por dia três meses sem parar durante a semana e nos finais de semana estudava teoria. Também passei um mês na Argentina no mesmo esquema. Acredito que muita da professora que sou hoje se deve às sistemáticas de assimilação que eu tive que criar quando fui aluna.
Como é sua sistemática de aprendizagem?
Observo muito, paro de fazer para ficar olhando. Eu não posso aprender uma coisa de cada vez, braços, pés, cabeça, ritmo. Preciso ter a referência completa mesmo que eu não faça na hora. Não adianta me mostrar mais lento, tenho que ver várias vezes. Por isso estimulo os alunos a aprenderem o movimento de corpo completo, afinal o braço faz parte do teu contrapeso. O corpo vivencia o movimento como um todo. Claro que ensino só o pé, só braço, pois cada um tem seu método. Mas no meu caso, preciso me apropriar rapidamente dos movimentos, como se tivesse que apresentar aquilo agora. Depois estudo o baile para entender e aperfeiçoar.
“Se a pessoa não quiser parar para estudar, conhecer seus limites e enfrentá-los, nunca vai ser profissional.”
Qual a dica para quem quer se profissionalizar?
Se tranque numa sala sozinho e estude. Não tenha medo do confronto pessoal, é o que mais vai colaborar. E não desista, pois que quanto mais se sabe a sensação que temos é que menos sabemos.
Como é seu processo criativo?
O processo como coreógrafa, pesquisadora e professora me interessa mais que o resultado. Confesso que gosto mais da sala de ensaio do que do palco. As trocas dentro da sala de ensaio são as coisas mais valiosas para mim e se resultarem em um produto, que bom!
Eu gosto de montar, de pesquisar, juntar as pessoas e colaborar. Tento passar isso para meus alunos estimulo que as trocas aconteçam todo os dias e não só no palco.