Da guitarra de Paco de Lucía, agora reverbera o silêncio doloroso em nossos corações flamencos. Considerado um dos maiores violonistas da história e um dos responsáveis pela disseminação mundial da música flamenca, ele faleceu nesta quarta-feira pela manhã em Cancún no México, vítima de infarto, segundo autoridades de Algeciras, na região de Cádiz, sua cidade natal.
A família de Paco de Lucía, em declaração publicada em diversos veículos espanhóis, disse: “Paco viveu como ele desejava e morreu brincando com seus filhos ao lado do mar.” E finalizou com a emotiva frase: “A vida nos deu maravilhosos anos junto a ele que encheu esse mundo de beleza e agora, o leva. Agradecemos imensamente por tudo… e boa viagem nosso amado”.
O artista recebeu inúmeras homenagens das Artes, do governo espanhol e do mundo. José Ignacio Wert, ministro da Cultura , o chamou de “uma figura única e irrepetível “. O cantaor José Mercé, disse que ninguém iria alcançar seu nível nos próximos 200 anos.
“Eu ainda sou um purista porque sempre respeitei o que considero ser respeitável. O que eu não tenho é a obediência que os puristas continuam a ter, mas tenho o respeito pela a essência do flamenco, pelo ancestral, pelo válido. Memória “. (Jornal El País -2004)
Esse gênio da música flamenca e das Artes estará eternamente em nossa memória e sua arte presente em vossos cantes, bailes, toques e corações, contribuindo para a edificação do alicerce do “sentir e viver flamenco”. ¡Olé Paco de Lucía! Gratidão.
Um pouco da trajetória de um dos maiores gênios musicais
Discípulo de Niño Ricardo e de Sabicas, e respeitado por músicos de jazz, rock e blues por seu estilo próprio, alcançou, entre outros muitos reconhecimentos, um Grammy para o melhor álbum de flamenco em 2004; o Prêmio Nacional de Guitarra de Arte Flamenco; a Medalha de Ouro ao Mérito das Belas Artes em 1992; o Prêmio Pastora Pavón La Niña de los Peines de 2002; e o Prêmio Honorário da Música de 2002.
Paco mesclava o flamenco a outros ritmos como jazz, bossa nova, música árabe, hindu e outras sonoridades. Entretanto a essência nunca foi perdida pois era intrínseca a sua alma. Quem teve oportunidade de vê-lo, ouví-lo ou ainda gozar de sua arte presencialmente, concorda.
Nascido em 21 de dezembro de 1947 na cidade de Algeciras com o nome de Francisco Sánchez Gómez, aos sete anos pegou pela primeira vez um violão pelas mãos de seu pai e, depois, de seu irmão mais velho.
Por sua mãe portuguesa ficou conhecido como “Paco, o de Lucía”, ao identificar, assim como na Andaluzia, o filho com o nome da mãe, Lucía Gomes.
Com 12 anos formou o dueto “Los Chiquitos” de Algeciras com seu irmão Pepe nos vocais. O grupo fez sucesso em 1961 em um concurso de Jerez e com o qual gravou seu primeiro disco.
Contratado pelo bailarino José Greco em 1960 como terceiro violonista da Companhia do Balé Clássico Espanhol, fez sua primeira turnê pelos Estados Unidos, e depois foi o segundo violonista e viajou por meio mundo. Foi aí que conheceu os músicos Sabicas e Mario Escudero, que o incentivaram a compor suas próprias músicas.
Aos 17 anos entrou para um grupo financiado pelos representantes alemães Horst Lippmann e Fritz Rau para seu espetáculo “Festival Flamenco Gitano”, com o qual percorreu a Europa e no qual figuravam Camarón, El Lebrijano, El Farruco e Juan Moya.
Acompanhado com frequência por seus irmãos Ramón de Algeciras e Pepe de Lucía, gravou seus primeiros discos solo em meados dos anos 1960: “La Fabulosa Guitarra de Paco de Lucía” (1967) e “Fantasía Flamenca” (1969).
Sua consagração chegou nos anos 1970, com memoráveis atuações no Palau de Barcelona, no Teatro Real e no Teatro Monumental de Madri, e sua primeira gravação ao vivo “Paco en vivo desde el Teatro Real”, lhe rendeu seu primeiro disco de Ouro.
Foi em Madri que surgiu a mítica dupla El Camarón-De Lucía, tão virtuosa e purista como renovadora do flamenco e que se traduziu em mais de dez discos de estúdio, como “El Duende Flamenco” (1972) e “Fuente y Caudal” (1973).
Ganhou o Prêmio Castillete de Oro del Festival de Las Minas em 1975; single de ouro em 1976 por sua magnífica rumba “Entre dos Águas” e disco de ouro em 1976 por “Fuente y Caudal”.
No final dos anos 1970, ganhou muita popularidade fora da Espanha por seus trabalhos com os guitarristas John McLaughlin, Al Di Meola e Larry Coryell.
Fundou em 1981 seu “Sexteto”, com Ramón de Algeciras (segundo violão), Pepe de Lucía (vocais e palmas), Jorge Pardo (saxofone e flauta), Rubén Dantas (percussão) e Carles Benavent (baixo), o que lhe permitiu criar o conceito atual de grupo de flamenco.
Colaborou no disco “Potro de Rabia y Miel” de seu grande amigo Camarón, e a morte deste, em 1992, o fez cancelar suas apresentações por todo o mundo durante quase um ano. Inclusive pensou em se aposentar, retornando um ano depois aos palcos com uma nova turnê europeia, na qual fez 40 apresentações nos EUA e gravou “Live in America”.
Entre seus discos estão “Fantasía Flamenca”, “Recital de Guitarra”, “El Duende Flamenco de Paco de Lucía”, “Almoraima”, “Solo Quiero Caminar”, “Paco de Lucía en Moscú”, “Zyryab”, “Siroco” e “Lucía” (1998)
Após um hiato de cinco anos, em 2004 gravou “Cositas Buenas”, considerado pela crítica uma “obra prima”, com oito temas inéditos, acompanhado pelo violão de Tomatito e a voz recuperada de Camarón, e que lhe rendeu o Grammy Latino de melhor álbum de flamenco.
O violonista espanhol também recebeu o prêmio Príncipe de Astúrias das Artes 2004.
Um ano antes, lançou sua primeira coletânea, “Paco de Lucía Por Descubrir”, com seus trabalhos de 1964 a 1998.
No dia 29 de junho de 2010 ofereceu um magnífico concerto para 2,5 mil espectadores que se reuniram na Puerta del Ángel de Madri.
Em 2011, participou em um disco de flamenco tradicional do músico Miguel Poveda.
Tornou-se Doutor Honoris Causa pela Universidade de Cádiz e pelo Berklee College of Music de Boston (EUA, 2010).
O músico estava estabelecido em Toledo e passava temporadas em Cancún, onde praticava pesca submarina. Teve três filhos, frutos de seu primeiro casamento em 1977 com Casilda Varela em Amsterdã: Casilda, Lucía e Francisco.