
Fabio Moraes junto a Jefferson Perez (violoncello), Erick Felix (Oboé e Corn Inglês) e Thalma Di Lelli (bailaora) durante show no dia 21 de setembro, no Instituto Cervantes, em São Paulo.
A música flamenca no Brasil ganhou um valioso lançamento, resultado da soma de dois gêneros que dialogam já há bastante tempo: o clássico e o flamenco. Trata-se do primeiro CD, intitulado Evocación, do guitarrista (violonista) flamenco Fabio Moraes, lançado no final de agosto.
Foi a mãe, pianista, quem sempre o incentivou a estudar música. Mas ele não se convenceu até ganhar um violão de presente dos avós paternos. Fabio tinha então 12 anos. Veio “descobrir” o flamenco aos 16 anos através das mãos de Fernando de La Rua, guitarrista flamenco brasileiro radicado na Espanha, em uma aula aberta no Centro Flamenco Pepe de Córdoba, no coração do bairro do Bexiga, em São Paulo, um dos mais importantes centros difusores desta cultura na década de 1990.
“Temos gente muito boa”, conta Fábio ao ser indagado sobre como está o flamenco hoje no Brasil. “O acesso é muito mais fácil do que quando comecei. Além disso, as gerações vão evoluindo em relação às anteriores. Uma pena que faltem mais tablados para apresentações. Em São Paulo, pelo menos”, lamenta.
Com formação em violão popular pela Faculdade Santa Marcelina, Fabio Moraes estudou com importantes nomes do violão brasileiro, como Ulisses Rocha, Paulo Tiné e Paola Picherzky. Entre todos os gêneros musicais, optou por aquele que mais mexe com as suas emoções e é um constante desafio: o flamenco. Mas não são somente horas de estudo que o flamenco introduziu em sua vida. “O flamenco me trouxe desenvolvimento pessoal, autoconfiança e a oportunidade de ver uma cultura musical direto na fonte, com sua riqueza e espontaneidade”, revela.
Nesta entrevista ao Flamenco Brasil, Fabio Moraes conta sobre os seus estudos musicais e o primeiro contato com o flamenco, o nascimento de seu mais recente trabalho, a gravação em tempo recorde de “Evocación” no estúdio Musitron, de José Luis Garrido, em Madri, e a sua visão musical. Acompanhe a entrevista:
“No Flamenco, por ser uma cultura viva, é necessário se atualizar constantemente”
Depois de estudar diversos gêneros musicais, por quê a opção pelo flamenco?
Não é fácil explicar. Desde o início dos meus estudos de violão, quando ainda não conhecia o flamenco, pedia ao meu professor alguma música “meio espanhola”. Não sei porquê! Essa sonoridade me atraía. Mas foi aos 16 anos, quando conheci o Centro Flamenco Pepe de Córdoba e assisti uma aula do Fernando de La Rua que foi bem marcante, e resolvi estudar com ele. O meu gosto pelo flamenco só foi aumentando. Quando entrei na faculdade para estudar violão, mesmo me dedicando a outros gêneros como choro, jazz, bossa nova, mantive os estudos de flamenco. Fui para a Espanha e fiz muitas aulas lá. O flamenco me emociona mais, me sinto identificado com a figura do guitarrista flamenco. Claro, é muito importante o desenvolvimento musical como um todo, isso tem me ajudado muito no ato de compor, por isso ainda hoje estudo jazz, MPB e chorinho.
Quais são os desafios que o flamenco coloca na sua vida?
São muitos, porque o violão no flamenco é tocado de maneira muito virtuosa e exige constante estudo, nem que seja só para manter a técnica. Além disso, obviamente exige outros estudos, como acompanhamento ao cante (canto) e ao baile (dança). E, sendo uma cultura viva, é necessário se atualizar constantemente.

Fábio Moraes junto a Jefferson Perez (violoncello) e Erick Felix (Oboé e Corn Inglês), durante show no dia 21 de setembro, no Instituto Cervantes, em São Paulo.
O que a Espanha acrescentou à sua formação como guitarrista flamenco? E o que ainda você precisa aperfeiçoar?
Ir para a Espanha é como beber água na fonte, acrescentou muito e vai acrescentar sempre que eu for para lá. É como tentar perder o sotaque quando se fala uma outra língua. O nível lá é muito alto, muitos guitarristas tocam bem, sempre há algo interessante para aprender e ainda posso continuar me aperfeiçoando. O acompanhamento ao cante é o que mais sinto falta em desenvolver.
Cite algum (ou alguns) guitarrista(s) flamenco(s) cujo trabalho você admire e seja uma referência em sua vida.
Paco de Lucia, claro, é uma grande influência, pela coerência de suas composições, por sua técnica e interpretação. Gerardo Nuñez foi o músico mais impressionante com quem fiz aula, ele realmente tem uma técnica incrível, que impressiona. Vicente Amigo tem uma espontaneidade única, que admiro muito, melodias incríveis e nunca toca as suas músicas de maneira muito decorada, sempre faz uma interpretação diferente, brinca dentro do compasso com muita naturalidade. Isso é muito inspirador. E não poderia deixar de citar Fernando de La Rua, que foi o meu primeiro professor de flamenco e quem me indicou o caminho correto para estudar.
“A música é um meio de identificar e ‘ouvir’ as minhas emoções, boas ou ruins”
Você compõe falsetas lindas. Como é essa criação e qual é a sua inspiração?
A criação não é um processo corriqueiro, como quando temos que resolver o dia a dia, quando dizemos “hoje tenho que fazer isso e aquilo, passar não sei onde, fazer não sei o quê…”. Criar exige outro ritmo – é preciso parar, pegar o violão, começar a tocar, experimentar idéias, sentir emoções, tentar de novo e de novo até que se tenha um esboço de algo. Demanda muito trabalho até ter uma música finalizada. O que me inspira são as minhas emoções, boas ou ruins. E a música é um meio de identificar, de “ouvir” essa emoção. A música é, para mim, uma interface das emoções, transmitidas por esse meio e levadas ao público que as interpreta e as sente à sua maneira.

Fabio Moraes é convidado especial da FUNDEC, em Sorocaba. Arquivo do guitarrista.
Como surgiram as composições do seu primeiro CD, Evocación?
De maneira geral, muitas surgiram da necessidade de apresentá-las nos shows de final de ano da escola de flamenco de Thalma Di Lelli, em Sorocaba. Uma vez que, nessas apresentações, costumo tocar com Jefferson Perez, no cello, e Gilmar de Campos, no oboé, e responsável pelos arranjos neste CD, essas apresentações meio que me obrigavam a compor. Acabei criando um repertório próprio. Mi Herencia, por exemplo, são sevillanas, as primeiras que fiz há uns cinco anos. Já Pasando el Dia é um tanguillo e uma das minhas últimas composições, feita a partir de uma introdução que eu já tinha. No CD tem também uma farruca (Tinto e Intenso), duas alegrias (Arcos y Pasajes e Encanto, Desencuentro y Esperanza), e uma bulería (Somática). Uma das composições mais jondas é Camino Perdido, uma seguiriya, onde utilizo uma afinação diferente, por isso tem um som mais “pesado”. Têm ainda duas bonus tracks: Mi Herencia em uma versão igual a que tocamos com a orquestra da Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba (Fundec), em Sorocaba, com oboé, clarinete, flauta, cello, corn inglês, trompete e percussão. É um arranjo muito rico, de Gilmar de Campos. E Somática, desta vez, em uma versão simples, apenas com violão e percussão, porque é como mais gosto de tocar. E não poderia deixar de homenagear a minha avó paterna, Laura, com uma valsa em El Regalo. Ela está com 94 anos. Fiz esta composição por conta do presente que ganhei do meu avô, o meu primeiro violão. Foi ela quem o fez me dar de aniversário. Sou muito grato a isso.
“José Garrido me contou muitas histórias sobre seu trabalho com os flamencos. Compartilhar dessa experiência foi essencial para o resultado deste CD”
Como e por quê surgiu a ideia de gravar Evocación?
Gravar um CD é um marco importante. Depois de muitos anos tocando e me dedicando, achei que seria importante registrar o que já fiz. Vinha me preparando para isso há alguns anos, até que chegou o momento e decidi que gravaria em 2012.
Como foi gravar em Madri e trabalhar junto a José Luis Garrido?
Antes de mais nada, foi um desafio porque tinha 20 dias para ficar em Madri e fui para lá sem ter a certeza onde ia gravar. Eu já tinha conversado com José Garrido no Brasil, mas só depois de mostrar o projeto e visitar o estúdio Musitron, definimos gravar. Ele é uma figura que merece um livro para contar toda a sua história e importância para o flamenco, como músico, produtor e engenheiro de gravação. Uma centena de artistas flamencos passou por lá, como Paco de Lucía, Camarón, Ketama, Vicente Amigo, Gerardo Nuñez, entre muitos outros. Compartilhar dessa experiência foi, sem dúvida, importantíssimo para o resultado deste CD. Aprendi muito com ele durante o processo de gravação e ouvi muitas histórias sobre sua experiência com os flamencos.
Como surgiu a parceria com o músico e arranjador Gilmar de Campos?
O Gilmar é um músico talentosíssimo, desses que o Brasil esconde pelos cantos e não temos idéia que existe. A parceria surgiu por ocasião de uma apresentação que fizemos com a orquestra da Fundec, em Sorocaba, na época regida pelo maestro Jonicler Real. Eu tocava na escola de Thalma Di Lelli quando ela foi convidada pelo maestro para fazer uma apresentação de flamenco junto à orquestra. Então, propus a ele que fizéssemos uma apresentação bem arranjada entre música e baile – eu queria usar músicas minhas e tudo mais. Só que para isso precisaríamos de verba municipal para pagar arranjos e músicos, e no final das contas não houve verba. Decidimos fazer pelo menos um tema meu, com um arranjo da maneira que fosse possível. Foi então que enviei ao maestro a composição Mi Herencia, numa gravação de violão solo e a partitura para que ele a entregasse ao Gilmar – ainda não nos conhecíamos – para fazer os arranjos. Ensaiamos uma semana antes da apresentação. Entrei numa sala na Fundec, fui apresentado ao Gilmar e a outros seis músicos que estavam lá. Eu não tinha idéia do que ia ouvir e quando começamos a tocar, violão, oboé, clarinete, flauta, cello, trompete e percussão, o resultado foi incrível, emocionante! Percebi, então, que seria muito interessante seguir esse repertório de flamenco com arranjos mais clássicos. Então, segui compondo e enviando para ele fazer os arranjos, até ter um número de músicas relevante.
Por quê “Evocación”?
Evocación é um termo que sempre utilizei, até de maneira inconsciente. Na verdade, o tempo todo fazemos isso. Momentos em que pedimos à vida pela realização de desejos, ou mesmo quando buscamos proteção em situações perigosas, a comunicação entre o literal e o oculto, o material e o não material, a realidade e a imaginação. Acredito que a música funciona muito dessa maneira, transitando entre “mundos”, e essa palavra expressa muito isso.
Onde comprar?
O disco Evocación está a venda nos sites Amazon, CDBaby, El Flamenco Vive Fabio Moraes e iTunes. Também pode ser adquirido diretamente com o artista pelo email fabio@fabio-moraes.com ou por meio de sua Página no Facebook e em Sorocaba:
Sala Tablado Flamenco
Av. Mário Campolim, 699/701- Campolim, Sorocaba
Informações: (15) 4141-1838 (15) 9788-8898 salatablado@salatabladoflamenco.com.br