A célebre frase: “Veni, vidi, vici” (Vim, vi, venci) atribuída ao general Júlio Cesar bem que poderia ser usada para descrever outro vencedor, desta vez, não romano, mas brasileiro: Fábio Rodriguez.
Mas não foi uma vitória fácil. Na Espanha desde 2008, Fábio foi atrás de um sonho, ou melhor, objetivo: viver o flamenco. Passou pelas areias das Ilhas Canárias e ruas medievais de Toledo, foi seduzido por Sevilha – “tive uma mágica impressão lá”, conta – e se estabeleceu em Madri.
Para ele, Brasil e Espanha podem ser países muito diferentes – “na violência, no caráter e na maldade” – mas, ao mesmo tempo, extremamente parecidos no que diz respeito ao “futebol, política e prostituição”. Da terra verde e amarelo, Fábio – ou Fabinho, como é conhecido pelos flamencos brasileiros – sente falta da família, dos verdadeiros amigos e, claro, do creme de leite, do “Nescau” e de uma boa churrascaria.
Quem o conhece sabe que ele é batalhador, arrojado e sincero. Mira uma meta e vai atrás. Diz o que pensa, sem rodeios. Exigente e perfeccionista como bailaor, não é diferente como maestro. Isso, porque procura sempre tirar o melhor e o máximo de cada aluno. Didático, explica a movimentação de cada músculo, os acentos de cada sapateado, onde nasce e termina cada braceio. Paciente, pode repetir um mesmo movimento dezenas de vezes. E está sempre atento aos detalhes. Fabinho gosta de ensinar. “Hoje prefiro ensinar porque não tem nada mais gratificante do que ver as pessoas mais felizes, se gostando mais, vendo que são capazes de bailar e fazer muitas outras coisas. Desta forma, sinto que estou contribuindo para a felicidade e evolução dessas pessoas. Fico totalmente em êxtase!”, revela.
Considera de alto nível o flamenco feito no Brasil. Mas para que os caminhos se abram mais e melhor, acredita que é preciso haver mais solidariedade e generosidade entre aqueles que se dedicam à esta arte. Além disso, para Fábio, sempre cada um pode dar o melhor de si e apresentar um flamenco de alta qualidade, e não importa se é profissional ou amador. O comprometimento, para ele, é o mesmo.
Em agosto, ele está de volta ao Brasil e dará cursos em São Paulo (no Raies Dança Teatro e no Espaço A Su Salud), Salvador, Santo André, Mogi das Cruzes, São José do Rio Preto, Campinas, Araçatuba, Divinópolis e Piracicaba. Além dos workshops está organizando uma temporada de cursos em Belo Horizonte, no Soleá Tablao Flamenco, e também planeja outros projetos no Brasil em breve. Por email, entre as apresentações de “Quijote – Al compás de un sueño”, dirigido por Javier Latorre, shows em tablaos com a bailaora Sara Nieto Moreno e outros trabalhos em Milao e nas Ilhas Canárias ele concedeu uma entrevista ao Flamenco Brasil.
“Na Espanha, a realidade para um bailaor é muito dura, é preciso se superar sempre”
Como foi a sua adaptação na Espanha?
Eu me adaptei de forma bastante rápida, porque logo comecei a conhecer pessoas, fiz alguns poucos amigos e muitos conhecidos, mas passei praticamente três anos sem estar em contato com brasileiros que vivem aqui. Por um lado, foi bom, porque aprendi melhor e mais rápido o idioma. Mas, por outro, às vezes era um pouco solitário. Sempre pensava pelo lado positivo, que precisava aprender a falar e a vocalizar bem o idioma. Só quando vim morar em Madri tive mais contato com os flamencos brasileiros.
De que forma as coisas aconteceram? Você teve que batalhar muito ou foi tudo acontecendo de forma “natural”?
De forma totalmente natural não foi. Eu realmente tive que demonstrar que tinha potencial e merecia o que estavam me oferecendo. Sempre tive que trabalhar muito nas Ilhas Canarias, e ainda mais quando trabalhei com o Ballet flamenco de Madrid e vivia em Toledo Capital, tendo que ir quase um ano inteiro de uma cidade a outra. Nada cai do céu, e como eu vim sozinho, somente tinha a ajuda de mim mesmo, de algumas poucas pessoas que me apreciam (as quais agradeço muitíssimo) e apoios de pessoas e amigos queridos e família no Brasil. Mas sempre foi ralando para poder fazer as coisas aqui. Mesmo no dia a dia, mesmo depois de escolhido, tinha que me superar sempre, porque é uma realidade muito dura. Estar fora e ainda fazer o mesmo que tantos outros bailaores em um país que não é o da sua cultura, é questão de trabalhar todo dia, como num relacionamento. Não é permitido falhar muito!
Conte-nos sobre os grupos nos quais você atuou como bailaor e quais as melhores experiências que você tira dessas passagens.
Quando cheguei na Espanha tive muitíssimo contato com bailaores com quem já tinha trabalhado, como Carmen La Talegona, Inmaculada Ortega e Domingo Ortega. Depois, fui para as (Ilhas) Canárias, e entrei em um grupo de flamenco e dança espanhola de um diretor sevilhano, chamado Nacho Fernandez. Por um lado, foi uma experiência ótima, porque era um trabalho fixo e, pela primeira vez, eu tinha todos os direitos como trabalhador, com contrato assinado. O fato, também, de ter contato com a dança espanhola me fez crescer mais e ajudou a ampliar a minha visão de bailaor. Paralelo à companhia, também ensinava na escola flamenca de uma grande amiga, Soraya Hernandez, quem me acolheu, e comecei a formar alguns alunos na sua escola. Ali ensinavam somente sevilhanas e algo de flamenco, mas quando eu cheguei, as coisas começaram a mudar para melhor, e o nível foi crescendo. Hoje em dia ela tem duas escolas, e sou muito grato por ter deixado meu graozinho de areia ali. Depois de dois anos, mudei para Toledo e logo encontrei outro trabalho em Madri, junto ao Ballet Flamenco de Madri, que também trabalha com flamenco e dança espanhola. Ali também fui registrado como artista, e durante quase um ano, ensaiava e dançava de terça a domingo. Antes de terminarem a temporada no teatro Muñoz Seca, me chamaram para ser um dos solistas e, depois de quatro meses, começaram outro espetáculo e uma turnê no exterior, da qual não participei, pois não me interessava estar fora da Espanha.
Sentiu preconceito em algum momento?
No primeiro trabalho não tive problemas com meus colegas. Sempre fui o único brasileiro e acho que o único estrangeiro em todas as companhias em que participei. Mas no segundo, sim, tive alguns problemas com pessoas que não enxergavam que outros pudessem fazer o mesmo, e bem feito. Mas são coisas da vida.
“Com Javier Latorre aprendi muito, pelo trabalho em equipe e pelo maestro que ele é…”
Então surgiu o convite do coreógrafo e diretor Javier Latorre para participar de “Quijote – Al compás de un sueño”?
Depois de um tempo, Javier Latorre me convidou para fazer parte do segundo elenco da sua companhia, também com o mesmo esquema de contrato assinado. Tudo muito sério e direito. O melhor que me aconteceu neste trabalho foi o valor e reconhecimento que algumas pessoas me deram. Na Espanha, a palavra reconhecimento é muito difícil, porque quase sempre questionam, duvidam. É preciso ter muita paciência, dedicação e educação. Existem pessoas muito boas, mas também há pessoas muito maldosas e muito puxa-saco. Eu batalhei muito e agradeço por nunca ter precisado fazer isso. Tem que ter a cabeça no lugar para segurar a onda.
O que a experiência de participar da companhia de Javier Latorre lhe trouxe?
Eu aprendi muito! Pelo trabalho em equipe, pelo maestro que ele é, assim como a Concha Jareño (colaboradora desta produção), pela rotina de estar em uma companhia de peso, os ensaios, a temporada na China, mudando toda hora de cidade e de hotel… Aprendi pelo esforço de querer fazer bem, estudar e saber que fui bem aceito. Adquiri experiência de palco, respeito, experiência coreográfica, e principalmente, realização como pessoa.
Como foi a sua convivência com os demais integrantes da companhia?
A convivência foi muito boa, não tive nenhum problema porque todos dançam muito bem. Alguns eram do Ballet Nacional Espanhol. Quando o nível é muito alto, não tem muita competição. Todos estão ali sabendo quais são suas funções, e recebendo o seu salário. Quando acontece algum mal-entendido eu levo tudo muito na esportiva, e sou muito seguro do meu trabalho, então não considero que tenha tido problemas.
Conte-nos mais sobre o “Quijote” de Javier Latorre. Como foi construir o seu Sancho Pança?
Na verdade, a primeira turnê da companhia já terminou. Eu faço parte do segundo elenco, e além de fazer o cover do Sancho Pança, tive que aprender todo o espetáculo como corpo de baile. Não tive tempo de construir um personagem da maneira como eu queria, com tempo, porque os ensaios têm um período curto e logo começam os shows. É realmente puxado. A personagem vem com o tempo, ao fazer todos os dias e buscar mais e mais no palco. E quando me dei conta, já estávamos quase na estréia do espetáculo. Estivemos durante um mês no grande teatro Coliseum em Madrid, na Gran Via, e depois passamos por seis cidades na China, foi uma experiencia maravilhosa em Guangzhou, Nanchang, Wuhan, Fuzhou, Hangzhou e Lanzhou.
“O que falta para o flamenco no Brasil é valorizar mais os profissionais brasileiros”
Quais as principais diferenças que você nota entre o flamenco feito em Madri e o da Andaluzia?
Eu acho que já não tem muito isso. Muitos saem da Andaluzia para dar aulas em Amor de Dios, em Madri, e hoje tem de tudo em todos os lugares. A única coisa é que tudo na Andaluzia, como aulas, são mais baratas que em Madri, assim como aluguel e comida. Em Madri tudo é muito caro – as aulas, em comparação com a Andaluzia, são um absurdo de caras.
Como você vê o flamenco feito no Brasil hoje?
O flamenco no Brasil, hoje, em relação ao baile, esta igual ou até melhor do que em muitos lugares da Espanha. Não vejo uma grande diferença. Aqui tem muitas pessoas bailando bem, claro, mas também tem mais oportunidade de começar cedo. Os conservatórios são super baratos, mas não aconselho para quem quer fazer somente flamenco, porque è bem fraco o ensino, o forte mesmo e de clasico espanhol. Apesar das dificuldades que têm de cante e estudo no Brasil, não acho que haja tanta diferença. Aqui tem muita coisa ruim, que vocês nunca verão no Brasil. Nem nos lugares mais remotos! Esta é a minha opinião. No Brasil tem ótimos coreógrafos, bailaores e trabalhos muito bons.
O que falta para o flamenco no Brasil?
O que falta, principalmente, é dar mais valor aos profissionais brasileiros, aos companheiros, que se ajudem a crescer, e não somente valorizar o que vem de fora. Isso é o que falta!
Você dá sempre cursos em várias cidades e regiões do Brasil. Há diferenças entre os flamencos brasileiros de uma região para outra?
A diferença está na quantidade de informações que chegam nas determinadas regiões, a demanda de profissionais que dão cursos e a situação econômica, que muitas vezes não permite tanto investimento. Sempre tento deixar o máximo de material nas cidades onde trabalho, e sempre material técnico e coreográfico exclusivos, assim, as pessoas vão se acostumando a não somente reproduzir o que o os outros já fazem.
“Atingi os meus objetivos com dignidade, honestidade e humildade, e sem pisar em ninguém”
Você sempre deu aulas. O que significa ensinar?
Sim, eu sempre dei aulas. Me encanta! Gosto tanto que, se tivesse que escolher entre bailar e ensinar, prefiro ensinar. Para mim, ensinar é sentir-se renovado, feliz e completo cada vez que saio de uma aula , com a certeza que fiz um bom trabalho, e os alunos agradecidos por trocarmos esta energia tão bonita.
O que é preciso para ser um bom maestro?
Paciência, atenção, estudo, humildade e generosidade. O principal e saber ser generoso e sempre ter na cabeça que isso é uma troca, alem do negocio. Ser um bom maestro è ser atencioso, e não querer ser o centro das atençoes, ser maestro è estar seguro, e não estar pensando o que as pessoas estao fazendo ou pensando delas, ser maestro é acima de tudo saber que as pessoas procuram seu trabalho pelo carinho que voce tem com elas, desde quando seja verdadeiro. Tudo o que é falso, com o tempo a mascara cai, e as pessoas notam essa diferença.
As dificuldades enfrentadas como professor de flamenco na Espanha são as mesmas do Brasil? Em que diferem e se assemelham?
Eu não diria propriamente dificuldades. O que acontece aqui é que existem os conservatórios de dança espanhola, onde se trabalha muito pouco o flamenco, e o pouco que trabalham é de má qualidade. Muitos jovens saem do conservatório com um certificado, e não tem idéia de flamenco. As escolas contratam estes jovens somente pelo seu certificado, ignorando o que aprenderam de flamenco. Então, tudo fica mais complicado. Agora, lógico que também tem gente muito boa.
Você continua coreografando? O que é mais importante: a plasticidade do movimento, o grau de dificuldade, a música ou a história que se quer contar?
Eu continuo, sim, coreografando. Minha cabeça não para e não vai parar tão cedo. Muitas vezes não tem uma historia, a não ser que seja um espetáculo. Mas quando se trata, simplesmente, de um baile, crio uma sequência. Primeiro, vem a musica, sentir e poder colocar para fora milhares de sensações boas que tenho ao ouvir a guitarra ou o cante. Tudo flui sozinho. Depois, sim, vem a parte técnica, como o grau de dificuldade e a plasticidade, que também são de uma enorme importância. Mas o principal é o que ouço, o poder que isso tem e exerce sobre mim. Em questoes dos sentimentos que fazem com que tudo isso aconteça e entre em harmonia não tem como explicar…
Você atingiu os seus objetivos?
Posso dizer que atingi o meu objetivo, com certeza! Eu acho que é muito importante, porque da mesma maneira que atingi outros objetivos, sempre com dignidade, humildade e honestidade, posso afirmar que com este não foi diferente – e sem pisar em ninguém. Agora, tudo o que vir de trabalho é lucro.
O que você ainda quer do flamenco?
O que eu quero do flamenco é continuar trabalhando bem como fiz até agora, atraindo somente boas energias, e que passem mais pessoas maravilhosas pela minha vida. Que o universo conspire a meu favor! Não busco nada mais que isso: Trabalhar para viver, ensinar para aprender, aprender para renovar, e continuar sendo o mesmo Fabinho de sempre, e criar coisas maravilhosas para os varios espetáculo que ainda estao por vir.
Para finalizar: cite alguma palavra, frase ou pensamento que te guia no dia a dia.
Tento usar a palavra paciência todos os dias. Às vezes, não consigo, mas juro que tento!
É simplesmente maravilhoso poder reveber em minha escola um bailarino como o Fabinho que sempre se dedicou e conquistou tudo o que tem hoje por puro merecimento!
Parabéns Fabinho, que vc cresça cada vez mais em sua carreira pois vc merece. Estamos ansiosas por seu workshop nos dias 14 e 15 de setembro! Ole 🙂