O figurino flamenco de Carlos Lara

Carlos Lara, 46 anos, cenógrafo e figurinista, trabalhava como engenheiro e paisagista. “Nunca com cálculos, mas sempre com interferências estéticas”, define Lara. Há oito anos, quando assistiu pela primeira vez a um espetáculo flamenco apresentado pelo grupo Luceros, Carlos tornou-se amigo dos bailaores e começou uma grande história. Com o bailaor e coreógrafo André Pimentel montou o Atelier Flamenco, um espaço dedicado às vivências flamencas.

A decoração do Atelier Flamenco, localizado no bairro da Consolação em São Paulo, é bem peculiar, com muitas referências e criatividade. Carlos é inquieto por natureza. Enjoa da decoração e a cada seis meses muda tudo. Busca objetos e “tranqueiras” nas ruas, passeios e viagens. Cada detalhe da decoração tem uma história. Um dia, escaneou um mantón, imprimiu e fez um quadro. Ele se diverte com seus “delírios” de criação.

Certa vez, para uma apresentação das alunas do Atelier Flamenco, pediu emprestado um lustre de cristal estilo imperial, do Pepe de Córdoba, um dos mais respeitados bailaores flamencos no Brasil. Com ajuda de dois amigos, um deles, o próprio Pepe, conseguiu levar o lustre para uma apresentação no teatro. Carlos admite que ficou com muito medo, pois aquela luminária custava muito mais que seu carro.

Carlos está sempre à procura de idéias, mas confessa que às vezes as criações são feitas com improviso ou com poucos recursos. Um cenário, no Brasil, é secundário num espetáculo flamenco, já que os figurinos têm maior investimento. Segundo Carlos, “É preciso ser criativo para trabalhar com pouco recurso, mas isto não define a qualidade do espetáculo, queremos uma apresentação perfeita para quem assiste”.

A cenografia entrou na vida do Carlos, como pequenos presentes dados ao grupo Luceros. Sempre que o grupo se apresentava, criava cartazes e fazia algumas intervenções na decoração do espaço. “O Luceros adorava meus presentes e isso me dava um pique maior”, conta. Seu primeiro cenário foi para as alunas do Atelier Flamenco: um mantón gigante no fundo do palco.

Hoje, o cenógrafo e figurinista Carlos Lara já conquistou seu espaço no mercado. Não só para espetáculos flamencos, mas também para algumas peças teatrais.

Cada corpo uma criação, uma história

Um blazer foi a primeira peça de roupa costurada por Carlos. “Ninguém acreditou que eu havia feito, mas usei a técnica de engenheiro para construir a peça”, diverte-se.

Começou seus testes de figurino e criações em paralelo com as construções de cenários. Sua primeira criação foi para o Luceros, com temática sobre a cultura brasileira. “Todas as roupas foram feitas de chita, um tecido de algodão com muitas flores e cores, foi um sucesso. Depois disso comecei as minhas experiências com a bata de cola”.

Sua primeira bata não ficou perfeita. Segundo o figurinista, existem muitos detalhes para deixar o vestido adequando para uma bailaora usar. Uma das dicas é ter uma boa dinâmica aérea na bata.

Para aperfeiçoar seu conhecimento, Carlos fez um “estágio” com uma costureira de bata de cola, numa das viagens que fez para a Espanha, para aprender alguns truques e detalhes. “mesmo sem eu ter tido curso para fazer figurino, gostei de perceber que minhas batas não eram diferentes daquelas que ela fazia”.

Outra forma que Carlos encontrou para melhorar suas pesquisas e qualidade dos vestidos foi pedir para algumas bailaoras experimentarem suas batas e Pilar Ortega, foi uma delas. Ele pediu para ela provar e dar algumas sugestões. “Tem que ir atrás eu sou chato, às vezes. Sofro com o perfeccionismo, mas é preciso para poder me aperfeiçoar”, diz Carlos.

A harmonia entre a bailaora e o artista

Para se reciclar e se atualizar, Carlos viaja para a Espanha para buscar informações em feiras e desfiles de moda flamenca e volta “empolgado” com as novidades.

Segundo Carlos, não existe uma bata ideal. Cada bailaora tem uma característica particular, não existe um padrão. Cada uma tem suas próprias preferências e gostos como batas redondas, ovais, rasteiras ou aéreas.

“Para corpos diferentes, há sempre soluções”, afirma o figurinista. Ele pensa no que pode ficar melhor, num grupo de alunas, por exemplo. Cria vestidos para o grupo, mas pensando em cada bailaora. O objetivo é deixá-las lindas. As diferenças de peso, estatura são levadas em considerações e os modelos são adaptados. Para Carlos, nada é feio: “Existem alguns segredos de costuras que valorizam qualquer corpo. Só é preciso pensar em modelos que funcionam para todos os tipos de corpos. O efeito final no palco é o mais importante”.

“O que me toca é ver os vestidos e as criações em cena. Eu me emociono em ver que deu tudo certo. Uma das imagens mais gratificantes, por exemplo, foi ver a bailaora Priscila Grassi chorar ao ver a bata lilás que fiz pra ela. Quero fazer coisas com que as pessoas se emocionem”, conta.

Uma bata de cola demora cerca de 15 dias para ser feita. Carlos cria, corta o tecido e costura. Só contrata ajuda quando aumenta a produção, mas tudo passa por sua aprovação.

Uma bata básica, com tecido de microfibra, cascata e alguns detalhes custa cerca de R$ 800,00. Algumas chegam a custar R$ 1600,00 a R$ 1800,00, dependendo dos detalhes. Em 2008, Carlos confeccionou 25 batas de cola e 150 vestidos.

Mesmo com tanta procura Carlos não tem interesse em aumentar sua produção. “Haja criatividade!”, diverte-se. “Quando minha criação não corresponde às minhas expectativas e não sai como eu queria, eu não entrego o vestido, sempre busco a perfeição. Sou honesto com minhas clientes”.

Carlos tem uma agenda lotada, até o fim do ano tem doze vestidos de batas de cola encomendadas, inclusive para o nordeste. Mesmo com o cronograma apertado, sempre reserva um tempo para criar e fazer vestidos para bailaoras solistas. “Gosto de ver minha roupa numa mulher linda, isso me realiza. Elas me dão toda confiança para que minha criação seja livre. Faço o que eu quero e o que eu imagino”, finaliza.

 

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